terça-feira, 31 de agosto de 2010

CÂMERA DE ECOS, Waly Salomão

Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.

Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha da fronteira se rompeu.

Chega de papo furado de que o sonho acabou, a vida é sonho!!!




PAN CINEMA PERMANENTE
(Waly Salomão)

Não suba o sapateiro além da sandália
- legisla a máxima latina.
Então que o sapateiro desça até a sola
Quando a sola se torna uma tela
Onde se exibe e se cola
A vida do asfalto embaixo
e em volta.

"Campo Afuera", Aymama

Nhanduti


Abramo, Lívio
Nhanduti , 1974
xilogravura, c.i.d.
34,5 x 33,5 cm
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil


1. Artesn. Trabalho de renda, típico do Paraguai.: "Compra-se o nhanduti - fios de amido e amor, rijo aranho constelado, espuma em estrias." (Guimarães Rosa, "Sanga Puytã", in Ave, palavra.))
2. Nhanduti é uma palavra do tupi-guarani, que define um
tipo de renda, cuja forma lembra uma teia de aranha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Arrumar a mala de ser




As Almas São Desertas E Grandes
Álvaro de campos (Fernando Pessoa)

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.

Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.

Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.

Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.

Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!

Mais vale arrumar a mala.
Fim.

Chapeuzinho Amarelo


Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.

Era a Chapeuzinho Amarelo…

E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.

E Chapeuzinho amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO,
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz de comer duas avós,
um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…
E um chapéu de sobremesa.

Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo:
o medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele,
só que sem o medo dele.
Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pÊlo.
Um lobo pelado.

O lobo ficou chateado.

Ele gritou: sou um LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!
E a Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!
Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.
Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes,
Que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

Aí, Chapeuzinho encheu e disse:
“Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!”
E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.
Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.

Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,
Trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,
Com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro,
Com a sobrinha da madrinha
E o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.
E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:
O raio virou orrái;
barata é tabará;
a bruxa virou xabru;
e o diabo é bodiá.

FIM

( Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo: o Gãodra, a Jacoru, o Barão-tu, o Pão Bichôpa…
E todos os tronsmons. )”

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

morte de Pinochet



Augusto Pinochet falleció el 10 diciembre 2006 a las 14.15 Hrs. (hora Chilena).
Extracto noticiario TVN.
Televisión Nacional de Chile. Canal del estado.

Patrícia Verdugo, jornalista chilena, no Roda Viva

"A operação da "Caravana da morte", propriamente, em síntese, em que consiste? É a primeira pedra da ditadura do general Pinochet ao dar o golpe militar. Essa primeira pedra consiste em uma missão militar que ele entrega a um general do Exército de muito prestígio e de muito poder no Chile naquele momento, o general Sergio Arellano Stark. A missão militar, que vai a bordo de um helicóptero Puma percorrendo o país, tem dois objetivos: fazer com que a sua ação terrorista paralise a população civil - que comprovará, desde esse dia, que no Chile não há mais Deus, nem Lei, que começa a guerra suja. O segundo objetivo é alinhar em um bloco compacto de comando as Forças Armadas, com a mensagem de que também não existe a lei militar, nem o que lhes foi ensinado nas escolas militares, relacionado aos acordos de Genebra sobre a proteção de prisioneiros políticos em tempo de guerra. Porque Pinochet havia criado um decreto de que, para efeitos da Justiça Militar, estava decretado tempo de guerra. Não havia guerra. No Chile nunca houve guerra. Mas ele decretou tempo de guerra para efeito dos procedimentos judiciais. Então, se o senhor era julgado e era declarado culpado porque, em sua casa, no momento em que foi detido, havia um revólver, e era condenado a um ano de prisão, por ser tempo de guerra, em vez de um ano, eram dois anos. A pena era dobrada, tornava-se mais pesada, mais grave. A missão militar consistia em tirar da prisão, em cada cidade, prisioneiros políticos cuja maioria havia se entregado voluntariamente às autoridades militares. Alguns estavam sendo submetidos a um Conselho de Guerra, outros estavam esperando processos, outros já haviam sido condenados a penas que iam... Por exemplo, o jornalista e advogado [e militante comunista] Carlos Berger havia recebido uma pena de sessenta dias de prisão. Havia outros com penas de dez anos de prisão. Mas isso não importava. A missão militar tirava-os da prisão, massacrava-os... Quando digo massacrar, quero diferenciar de fuzilar. Uma pessoa, quando é fuzilada, supõe-se que a ponham junto a uma parede, coloquem uma venda sobre seus olhos e disparem, esperamos, no coração, para que, com um disparo ou dois, morra. Nesse caso, os corpos que foram encontrados têm marcas de trinta, quarenta tiros, cada um, além das feridas feitas com o corvo, uma faca curva usada pelos comandos militares. Os corpos ficaram despedaçados. O general Joaquín Lagos, em Antofagasta, foi o único que não aceitou a ordem de enterrar clandestinamente esses corpos despedaçados. Ele ordenou aos médicos militares e aos médicos civis que montassem uma equipe para que, com linha e agulha, costurassem os corpos para poder armá-los e colocá-los em ataúdes. Isso para que, quando as famílias abrissem o caixão para comprovar a identidade, o espetáculo não fosse tão chocante, tão horroroso. Foi isso o que fez essa missão militar sob as ordens do general Pinochet, que deixou uma impressão digital nesse caso que o está levando a processo."

"Todos os dias havia proclamas militares em cada cidade, dizendo: "Pelo bando militar número 48, número 96, ordena-se aos seguintes cidadãos apresentar-se ao comissariado ou regimento mais próximo. “Número 1: Aguirre, Pedro. Quarenta...” Qualquer sobrenome, até chegar à letra z, até chegar a Zapata, Jorge. O fato é que em todos esses primeiros dias, a maior parte dos cidadãos convocados apresentava-se voluntariamente. É assim que acontece a "Caravana da morte", o massacre desses prisioneiros que confiaram na legalidade. O Chile é um país interessantíssimo em termos do seu respeito à lei. [Gabriel] García Márquez [(1928-), importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político. Cem anos de solidão (1967), seu livro mais conhecido, é considerado uma obra-prima da literatura em língua espanhola], quando voltou ao Chile, em 1990, quando começou a transição, dizia que o Chile era o único país que [ele] conhecia onde as leis são campeãs de vendas, oferecidas nas ruas. É assim. Quando se vai ao centro de Santiago, há vendedores de rua gritando: "A última reforma do Código Trabalhista"! E todo mundo compra. "A última reforma tributária”! "A nova lei processual penal"! É interessantíssimo. As pessoas precisam ter a Lei em casa. É impressionante. Portanto muitos cidadãos, a maioria dos cidadãos convocados acreditou que realmente respeitava-se a Lei. Porque o golpe militar, na primeira proclamação, disse que o objetivo das Forças Armadas, ao tomar controle da nação, era reconstituir o respeito pleno à Lei e à Constituição que o governo da Unidade Popular havia desrespeitado, quanto ao direito de propriedade. É só isso. E muita gente acredita e entrega-se voluntariamente. No caso dos estrangeiros, até o dia de hoje, o pinochetismo... As pessoas que estão ao redor de Pinochet, uniformizadas e civis, falam, por exemplo, dos dez mil guerrilheiros cubanos que havia no Chile. Cada vez que me falam do assunto, digo: "perdão, e quando saíram do Chile? Onde estão as fotografias da notícia de quantos aviões tivemos de dispor para tirar do Chile dez mil guerrilheiros cubanos? Ou mataram todos? Como é que Cuba não protestou por dez mil cidadãos cubanos mortos e desaparecidos"? Inventa-se qualquer coisa. Mas a verdade é que o povo chileno, na maioria, tinha um sentimento de grande alegria pelos estrangeiros e latino-americanos que estavam no Chile. Porque não é só a questão dos jovens da América Latina e do mundo que decidiram sonhar, junto aos chilenos, com a construção do socialismo na democracia. Não se trata só disso. Há uma tradição histórica do Chile, como república, de receber os latino-americanos, sobretudo do mundo intelectual: estudantes, acadêmicos de toda a América Latina. Cada vez que em seus países há um golpe de Estado, vão para o Chile procurar asilo e continuar os estudos. Creio que o presidente Cardoso esteve no Chile desse modo, não é? Mas está cheio, em todos os lugares aonde vou encontro sempre ministros, ou presidentes ou reitores de universidades que passaram pelo Chile em algum momento em que seus países sofreram uma ditadura. Chile tinha uma tradição de abrir os braços e receber a todos os que fossem lá para se refugiar. Porque o nosso grande amparo não era ter êxito econômico, sempre fomos um povo pobre. A nossa graça era a cultura. Pobre, mas culto. Tão culto que tem dois prêmios Nobel de poesia [Em 1945, Gabriela Mistral recebeu o Nobel d literatura; em 1971, foi a vez do poeta Pablo Neruda]. Esse era o grande orgulho do Chile. Não o de ter um crescimento de 7% ao ano. Nem o de ter equilíbrios macroeconômicos perfeitos. Essa não era a idéia. O nosso grande orgulho era Pablo Neruda e Gabriela Mistral."

bombardeio a La Moneda





"Por mais que as pessoas se esforcem para que os atos sejam perfeitos, sempre há uma falha. É como se um anjo da guarda se encarregasse lá em cima: "Ok, você está preparando o complô perfeito? Vou fazê-lo falhar por algum lado". Nesse caso é que alguém decide, alguém interfere nessa comunicação secreta por rádio e grava. É muito impressionante ouvir a voz de Pinochet comunicando-se com outros generais e almirantes. É onde se escuta o general Pinochet mandar pôr o presidente Allende com a família em um avião, e que o avião depois caia. É preciso jogar o avião. Não importa sacrificar o piloto e a tripulação. Não importa nada. Se é preciso matar o presidente e sua família em algo que pareça um acidente, faz-se isso. Essa é uma gravação que, desde que a pus no livro, é usada no mundo inteiro para recordar o dia do golpe militar. Na verdade não há direitos autorais sobre essa gravação. É uma gravação que pertence à humanidade como prova da barbárie, como prova da traição. Porque é preciso recordar que o general Pinochet chega ao poder nomeado pelo presidente Allende. Dez dias, quatorze dias antes do golpe, o presidente Allende deve nomear um novo comandante. Todas as informações de inteligência de seu governo indicam que o general Pinochet é um general confiável, legalista, constitucionalista. E o presidente Allende o nomeia. Entrega-lhe a arma mais poderosa em suas mãos. Para quê? Para que defenda a democracia das tentativas golpistas dos EUA e do fascismo local. Portanto quando Pinochet adere ao golpe de estado, só 36 horas antes, comete um gigantesco ato de traição em relação a quem havia confiado nele."
(Patrícia Verdugo no Roda Viva)

Últimas palavras de Allende



"Esta será seguramente la última oportunidad en que me pueda dirigir a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de radio Portales y radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura, sino decepción, y serán ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron. Soldados de Chile, comandantes en jefe titulares; el almirante Merino, que se ha autodesignado, más el señor Mendoza, general rastrero, que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, también se ha denominado director general de Carabineros...

Ante estos hechos, sólo me cabe decirles a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que entregáramos a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente.

Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra de que respetaría la Constitución y la Ley, y así lo hizo. En este momento, definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen de la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unido a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les señalara el general Schneider y que reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas, esperando por mano ajena reconquistar el poder, para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la obrera que trabajó, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas, a los que desde hace días estuvieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clase para defender también las ventajas que una sociedad capitalista les da a unos pocos.

Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron, que entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, aquellos que serán perseguidos. Porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente, en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando la línea férrea, destruyendo los oleoductos y los gasoductos, frente al silencio de los que tenían la obligación de custodiar los bienes del Estado... La historia los juzgará.

Seguramente radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz no llegará a ustedes. No importa; me seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos, mi recuerdo será el de un hombre digno, que fue leal a la lealtad del pueblo. El pueblo debe defenderse pero no sacrificarse; el pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede entregarse.

Trabajadores de mi patria: tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que mucho más temprano que tarde, de nuevo abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile!

¡Viva el pueblo!

¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras. Tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano; tengo la certeza de que, por lo menos, habrá una lección moral, que castigará la felonía, la cobardía y la traición."

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

como la primavera...

O tempo por Jorge Luis Borges

Cronos o Hércules

El tratado Dudas y Soluciones sobre los Primeros Principios del neoplatónico Damascio registra una curiosa versión de la teogonía y cosmogonía de Orfeo, en la que Cronos —o Hércules— es un monstruo:

Según Gerónimo y Helánico (si los dos no son uno solo), la doctrina órfica enseña que en el principio hubo agua y lodo, con los que se amasó la tierra. Estos dos principios puso como primeros: agua y tierra. De ellos salió el tercero, un dragón alado, que por delante mostraba la cabeza de un toro, por detrás la de un león y por el medio el rostro de un dios; lo llamaron Cronos que no envejece y también Heracles. Con él nació la Necesidad, que también se llama la Inevitable, y que se dilató sobre el Universo y tocó sus confines... Cronos, el dragón, sacó de sí una triple simiente: el húmedo Éter, el ilimitado Caos y el nebuloso Erebo. Debajo de ellos puso un huevo, del que saldría el mundo. El último principio fue un dios que era hombre y mujer, con alas de oro en las espaldas y cabezas de toro en los flancos, y sobre la cabeza un desmesurado dragón, igual a toda suerte de fieras...

Tal vez porque lo desaforado y monstruoso parece menos propio de Grecia que del Oriente, Walter Kranz atribuye a estas invenciones una procedencia oriental.

Riobaldo conhece Menino (ou, para mim: notas sobre os encontros transformadores e aquilo que chamamos de acaso)









































































































































































Acidente, de Cao Guimarrães e Pablo Lobato




Pela construção de um dispositivo claro onde o gesto poético inalgura e impulsiona o fazer do filme – o jogo com os nomes das cidades mineiras compondo um poema. A narrativa totalmente aberta ao acaso e determinada pelo encontro, encontro com o que quer que seja, mesmo com o vazio.
A linguagem plástica, cuidadosa, buscando o não objetivo, a não totalidade dos espaços, mas sua construção sensorial, em certa medida, e irreal ou onirica, em outra.

Os catadores e eu, de Agnes Varda




A realizadora enquanto personagem que, ao construir-se, constrói o filme.
A construção narrativa, que não é estabelecida de antemão, mas que se constrói no fazer do filme, tendo somente como ponto de partida o gesto do catador e um quadro. Esse filme não trabalha com um dispositivo com regras tão claras quanto as de nosso jogo, porém se compoem de imagens-experiências atravessadas pelo acaso e pelo descontrole que são os guias que orientam os rumos e o desenrolar da história.
A viagem como necessidade para o encontro
A posição da realizadora que se coloca horizontalmente em relação aos demais personagens, possibilitando relações de igual para igual, democráticas

diario do caminho: voltas e revoltas do processo de refelxão pra ser fazer um filme. Escrito em 23/07/09

Inspirismo estético organistico
 
O filme DEVE partir de uma visão PESSOAL  e PARCIAL
Pessoal, por que é da minha ferida, das minhas angustias que nasce a necessidade desse projeto. Então é necessário explicitarme, quem sou e por que sou. Quais são as minhas angustias (a impotência, a falta de utopia, o excesso de informação sem experiência, a revolta consentida)
O projto acompanha e deflagra o processo de auto-reflexão da autora marina, desde seu nascimento até a finalização do filme.
O filme projeto é portanto uma obra aberta, o registro de um processo, que ao plasmar-se em idéia e forma, transforma seu sujeito, que por sua vez transforma o projeto.
 
O PROJETO NASCE DE UMA ANGUSTIA, pessoal, fruto da minha história e da percepção negativa do “estado das coisas”. Tanto a angustia quanto meu olhar negativo e crítico, a carga de desilusão com a qual começo a me relacionar com o mundo é o resultado de uma dinâmica de interação entre a minha história pessoal e a história do tempo em que vivo (e que contém o tempo precedente)
ESSA DINÂMICA DE INTERAÇÃO É A ESPINHA DORSAL QUE ORIENTA O BLOCO 1 DO FILME E QUE É A LINHA NARRATIVA ESTRUTURAL DO FILME COMO UM TODO
 
Desse modo, o processo do filme  é também um processo de auto (re( conhecimento e por isso auto reflexivo e mutante. A medida em que vou tomando consciência da maneira em que me coloco no mundo e o percebo (em que CRIO a realidade em que vivo), minha atitude, meus valores e opiniões se transformam. O filme é, ao mesmo tempo, o registro desse processo de mutação e também um catalizador ativo desse processo, pois através da necessidade de reflexão e criação se dá a confrontação entre o desejo e a desilusão, entre a criatividade e a impotência, entre o amor e o medo.
 
Quando coloquei as questõe iniciais desse projeto “quais foram as razões para o naufrágio de um movimento de transformação cultural e humano, de irmandade e libertação na América Latina” e “existem sobrevivêntes?”, me deparei com minha angustia, com minha visão pessimista, beirando o nihilismo,  com o sentimento de impotência frente ao “processo inexoravel da história” e com uma profunda decepção a respeito do tema que me propunha conhecer. O tema em si, como colocado, já denota uma visao de mundo negativa, vencida pelo “pragmatismo factual da história objetiva”, desde uma perspectiva externa, descomprometida, como quem olha o mundo do lado de fora e o julga. Ou seja, vi pela primeira vez a prepotência do lugar em que me colocava na história. Prepotência gerada pela impotência e pelo medo.
 
Primeiro ponto de giro dentro de meu próprio eixo:
O que realmente me interessa, me move, me fascina é o que existiu e moveu pessoas, idéias, filmes nesse movimento. O sonho de transformação, o sentimento de potência, a busca das identidades e a persistência das lutas de resistência contra a opressão e o subdesenvolvimento, a escravização do espirito e do corpo. A doutrinação e a transformação de sujeitos em massa. A luta libertária das pulções e do ser humano como natureza, parte do organismo vivo do planeta Gaia. A explosão da diversidade, e criação de formas de beleza despadronizadas, da beleza convulsiva, transformadora.
Percebi então que só poderia tocar o tema que realmente me interessa se for capaz de genuinamente – e não só intelectualmente – me deixar tomar pelo sonho, ser parte desse processo, sujeito transformador. Não mais uma medica forense e um produto passivo daquilo que eu mesmo critico com dentes afiados.
Fim ao fim da história, fim ao fim da utopia!
 
“…Tomo gusto pela decadencia do tempo em que nasci”
 
Inicio o processo de transformação da NOSTALGIA AMARGURADA em ATIVISMO ESPERANÇOSO.
Esse é também o caminho do filme, sua unica possibilidade de ser uma obra honesta e não um manifesto retórico, pedante e demagógico
 
Emprender o self-empowerment daquilo que em mim é desejo, amor e esperança. Abrir sem vergonha castradora e crítica a FONTE DO DESEJO LIBERTÁRIO DAS PULÇÕES.
 
 
***
 
De que material plástica visual sera composta a obra?
 
De uma colagem caledoscópica (montagens multiplas, reultilização e resignificação das partes pelo todo, sampler) de materiais de diversas fonts.
 
Trabalhará com informações e materiais que criam links entre o universo pessoal da autora e o universo social e histórico da américa Latina da segunda metade do SEC XX e o inicio de século XXI. Tendo a liberdade de dar saltos e criar pontes com outros universos espaços temporais, pontualmente.
 
A colagem caledoscópica é uma forma de BRINCOLAGEM, termo conhecido na Antropologia Estruturalista e, creio, criado por Lewi-Strauss. Trata-se de encontrar células de sentido  que se montam e se reorganizam, em relação a outras células minimas de sentido, e nessa dinâmica relacional, novos sentidos vão sendo criados, revistos, subvertidos, resignificados. O sampler e a mixagem são os termos correntes aplicados sobretudo a criação musical, mas que ajudam a entender a linguagem estética que guia a obra.
O SONHO é uma dessas células minimas de sentido que combinadas com outras como LATINO AMÉRICA, TERRA, IRMANDADE, vai criando sentidos específicos.
 
Assim vejo também a imagem do que sou: uma colagem em movimento de muitas vozes, fontes, informações, versoes e experiências.
 
***
 
Assumo uma perspectiva utópica e imparcial. Assumo a possibilidade panfletária da obra para com essa utopia, mas nego e quero permanecer vigilante quanto ao didatismo, que simplifica e define significados; ao dogmatismo, que impoem uma Verdade; a uma construção programática, onde os elementos passam a ser funcionais  e não organicos; e principalmente a pobreza visual, que aniquila toda a possibilidade de poesia e abertura de sentidos.

João Cabral de Melo Neto

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Video de Feña y papafritas



dieccion e idea original francisco papas. guion -francisco papas fernando de peña. edicion- fernanado de peña audio- francisco papas. animacion- victor bubu, locucion Leonardo Gonzalez

Nicanor Parra

Colagens do Rauschenberg: inspiração



Pequenas epifanias de Caio Fernando de Abreu (ou, para mim: notas sobre o encontro)

Dois ou três almoços, uns silêncios.
Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.


Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso - aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros IV





Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros III





Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros II





Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros





sábado, 14 de agosto de 2010

Mi vida con Carlos, Germán Berger-Hertz

My Life With Carlos TRAILER from German Berger on Vimeo.


O novelo de lã em outros sonhos

Selfportrait of Jin Lee from Fabrica on Vimeo.

Une Histoire de vent, Joris Ivens

Diário de Sintra, Paula Gaitán



O tempo por Raduam Nassar

"Que rostos mais coalhados, nossos rostos adolescentes em volta daquela mesa: o pai à cabeceira, o relógio de parede às suas costas, cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, e nada naqueles tempos nos distraindo tanto como os sinos graves marcando as horas: “O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo: existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água em que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo o que nos rodeia; rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; por isso, ninguém em nossa casa há de dar o passo mais largo que a perna: dar o passo mais largo que a perna é suprimir o tempo necessário à nossa iniciativa; e ninguém em nossa casa há de colocar o carro à frente dos bois: colocar o carro à frente dos bois é o mesmo que retirar a quantidade de tempo que um empreendimento exige; e ninguém ainda em nossa casa há de começar as coisas pelo teto: começar as coisas pelo teto é o mesmo que eliminar o tempo que se levaria para erguer os alicerces e as paredes de uma casa; aquele que exorbita no uso de tempo, precipitando-se de modo afoito, cheio de pressa e ansiedade, não será jamais recompensado, pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas, não bebendo do vinho quem esvazia num só gole a taça cheia: mas fica a salvo do malogro e livre da decepção quem alcançar aquele equilíbrio (...)"

Em Lavoura Arcaica

O tempo por Bergson

"Nossa duração não é um instante que substitui outro instante: nesse caso, haveria apenas presente, não haveria prolongamento do passado no atual, não haveria evolução, não haveria duração concreta. A duração é o progresso contínuo do passado que rói o porvir e incha à medida que avança. Uma vez que o passado cresce incessantemente, também se conserva indefinidamente.
A memória não é uma faculdade de classificar recordações numa gaveta ou de inscrevê-las num registro. Não há registro, não há gaveta, não há aqui, propriamente falando, sequer uma faculdade, porque uma faculdade se exerce de forma intermitente, quando quer ou quando pode, ao passo que a acumulação do passado sobre o passado prossegue sem trégua. Na verdade, o passado se conserva por si mesmo, automaticamente. Inteiro, sem dúvida, ele nos segue a todo instante: o que sentimos, pensamos, quisemos desde nossa primeira infância está aí, debruçado sobre o presente com a que ele irá se juntar, forçando a porta da consciência que gostaria de deixá-lo fora. (...) Com efeito, que somos, que é nosso caráter, senão a condensação da história que vivemos desde nosso nascimento, antes dele até, já que trazemos conosco disposições pré-natais?"

"Ou o presente não deixa nenhum vestígio na memória, ou então ele se desdobra a cada instante, em seu próprio jorramento, em dois jatos simétricos, um dos quais cai para o passado ao passo que o outro se lança para o porvir."


"Os fatos da consciência, ainda que sucessivos, penetram-se, e no mais simples deles pode refletir-se a alma inteira."

Maricota Bizibu, uma monstrincesa


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sonhar com os olhos abertos

Os sonhos não envelhecem

Beira do mar...



"Beira do mar
Lugar comum
Começo do caminhar
Pra beira de outro lugar

Beira do mar
Todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul

A água bateu
O vento soprou
O fogo do sol
O sal do Senhor

Tudo isso vem
Tudo isso vai
Pro mesmo lugar
De onde tudo sai"

Paulinho da Viola, Meu mundo é hoje

Oração ao Tempo, Caetano Veloso

Força Estranha com Gal, Caetano e o Rei





"Eu vi um menino correndo
Eu vi o tempo
Brincando ao redor
Do caminho daquele menino

Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei
O sol ainda brilha na estrada
E eu nunca passei

Eu vi a mulher preparando
Outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar
Para aquela barriga
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou
O sol que atravessa essa estrada
Que nunca passou

Por isso uma força
Me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto
Não posso parar
Por isso essa voz tamanha

Eu vi muitos cabelos brancos
Na fonte do artista
O tempo não pára e no entanto
Ele nunca envelhece

Aquele que conhece o jogo
Do fogo das coisas que são
É o sol, é o tempo, é a estrada
É o pé e é o chão

Eu vi muitos homens brigando
Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada
Vontade encoberta
E a coisa mais certa
De todas as coisas
Não vale um caminho sob o sol
E o sol sobre a estrada
É o sol sobre a estrada
É o sol

Por isso uma força
Me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto
Não posso parar
Por isso essa voz, essa voz
Tamanha
"

As Cidades Invisíveis, Ítalo Calvino

Monstrinha - as fases da Lua




Grandes são os Desertos e Tudo é Deserto, Fernando Pessoa

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das
camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.

Devendra Banhart, A Ribbon

A casa da Utopia

Solo de Piano, Nicanor Parra

Ya que la vida del hombre no es sino una acción a distancia,
Un poco de espuma que brilla en el interior de un vaso;
Ya que los árboles no son sino muebles que se agitan:
No son sino sillas y mesas en movimiento perpetuo;
Ya que nosotros mismos no somos más que seres
(Como el dios mismo no es otra cosa que dios)
Ya que no hablamos para ser escuchados
Sino que para que los demás hablen
Y el eco es anterior a las voces que lo producen,
Ya que ni siquiera tenemos el consuelo de un caos
En el jardín que bosteza y que se llena de aire,
Un rompecabezas que es preciso resolver antes de morir
Para poder resucitar después tranquilamente
Cuando se ha usado en exceso de la mujer;
Ya que también existe un cielo en el infierno,
Dejad que yo también haga algunas cosas:

Yo quiero hacer un ruido con los pies

Y quiero que mi alma encuentre su cuerpo.

os tapetes da Violeta



















Que he sacado con quererte, Violeta Parra

Marina e os primórdios do projeto