terça-feira, 31 de agosto de 2010
CÂMERA DE ECOS, Waly Salomão
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha da fronteira se rompeu.
Chega de papo furado de que o sonho acabou, a vida é sonho!!!
PAN CINEMA PERMANENTE
(Waly Salomão)
Não suba o sapateiro além da sandália
- legisla a máxima latina.
Então que o sapateiro desça até a sola
Quando a sola se torna uma tela
Onde se exibe e se cola
A vida do asfalto embaixo
e em volta.
Nhanduti
Abramo, Lívio
Nhanduti , 1974
xilogravura, c.i.d.
34,5 x 33,5 cm
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil
1. Artesn. Trabalho de renda, típico do Paraguai.: "Compra-se o nhanduti - fios de amido e amor, rijo aranho constelado, espuma em estrias." (Guimarães Rosa, "Sanga Puytã", in Ave, palavra.))
2. Nhanduti é uma palavra do tupi-guarani, que define um
tipo de renda, cuja forma lembra uma teia de aranha.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
terça-feira, 24 de agosto de 2010
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Arrumar a mala de ser
As Almas São Desertas E Grandes
Álvaro de campos (Fernando Pessoa)
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fim.
Chapeuzinho Amarelo
Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.
E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.
Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.
E Chapeuzinho amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO,
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz de comer duas avós,
um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…
E um chapéu de sobremesa.
Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo:
o medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.
O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele,
só que sem o medo dele.
Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pÊlo.
Um lobo pelado.
O lobo ficou chateado.
Ele gritou: sou um LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!
E a Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!
Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.
Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes,
Que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO
Aí, Chapeuzinho encheu e disse:
“Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!”
E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.
Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.
Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,
Trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,
Com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro,
Com a sobrinha da madrinha
E o neto do sapateiro.
Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.
E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:
O raio virou orrái;
barata é tabará;
a bruxa virou xabru;
e o diabo é bodiá.
FIM
( Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo: o Gãodra, a Jacoru, o Barão-tu, o Pão Bichôpa…E todos os tronsmons. )”
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
morte de Pinochet
Augusto Pinochet falleció el 10 diciembre 2006 a las 14.15 Hrs. (hora Chilena).
Extracto noticiario TVN.
Televisión Nacional de Chile. Canal del estado.
Patrícia Verdugo, jornalista chilena, no Roda Viva
"Todos os dias havia proclamas militares em cada cidade, dizendo: "Pelo bando militar número 48, número 96, ordena-se aos seguintes cidadãos apresentar-se ao comissariado ou regimento mais próximo. “Número 1: Aguirre, Pedro. Quarenta...” Qualquer sobrenome, até chegar à letra z, até chegar a Zapata, Jorge. O fato é que em todos esses primeiros dias, a maior parte dos cidadãos convocados apresentava-se voluntariamente. É assim que acontece a "Caravana da morte", o massacre desses prisioneiros que confiaram na legalidade. O Chile é um país interessantíssimo em termos do seu respeito à lei. [Gabriel] García Márquez [(1928-), importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político. Cem anos de solidão (1967), seu livro mais conhecido, é considerado uma obra-prima da literatura em língua espanhola], quando voltou ao Chile, em 1990, quando começou a transição, dizia que o Chile era o único país que [ele] conhecia onde as leis são campeãs de vendas, oferecidas nas ruas. É assim. Quando se vai ao centro de Santiago, há vendedores de rua gritando: "A última reforma do Código Trabalhista"! E todo mundo compra. "A última reforma tributária”! "A nova lei processual penal"! É interessantíssimo. As pessoas precisam ter a Lei em casa. É impressionante. Portanto muitos cidadãos, a maioria dos cidadãos convocados acreditou que realmente respeitava-se a Lei. Porque o golpe militar, na primeira proclamação, disse que o objetivo das Forças Armadas, ao tomar controle da nação, era reconstituir o respeito pleno à Lei e à Constituição que o governo da Unidade Popular havia desrespeitado, quanto ao direito de propriedade. É só isso. E muita gente acredita e entrega-se voluntariamente. No caso dos estrangeiros, até o dia de hoje, o pinochetismo... As pessoas que estão ao redor de Pinochet, uniformizadas e civis, falam, por exemplo, dos dez mil guerrilheiros cubanos que havia no Chile. Cada vez que me falam do assunto, digo: "perdão, e quando saíram do Chile? Onde estão as fotografias da notícia de quantos aviões tivemos de dispor para tirar do Chile dez mil guerrilheiros cubanos? Ou mataram todos? Como é que Cuba não protestou por dez mil cidadãos cubanos mortos e desaparecidos"? Inventa-se qualquer coisa. Mas a verdade é que o povo chileno, na maioria, tinha um sentimento de grande alegria pelos estrangeiros e latino-americanos que estavam no Chile. Porque não é só a questão dos jovens da América Latina e do mundo que decidiram sonhar, junto aos chilenos, com a construção do socialismo na democracia. Não se trata só disso. Há uma tradição histórica do Chile, como república, de receber os latino-americanos, sobretudo do mundo intelectual: estudantes, acadêmicos de toda a América Latina. Cada vez que em seus países há um golpe de Estado, vão para o Chile procurar asilo e continuar os estudos. Creio que o presidente Cardoso esteve no Chile desse modo, não é? Mas está cheio, em todos os lugares aonde vou encontro sempre ministros, ou presidentes ou reitores de universidades que passaram pelo Chile em algum momento em que seus países sofreram uma ditadura. Chile tinha uma tradição de abrir os braços e receber a todos os que fossem lá para se refugiar. Porque o nosso grande amparo não era ter êxito econômico, sempre fomos um povo pobre. A nossa graça era a cultura. Pobre, mas culto. Tão culto que tem dois prêmios Nobel de poesia [Em 1945, Gabriela Mistral recebeu o Nobel d literatura; em 1971, foi a vez do poeta Pablo Neruda]. Esse era o grande orgulho do Chile. Não o de ter um crescimento de 7% ao ano. Nem o de ter equilíbrios macroeconômicos perfeitos. Essa não era a idéia. O nosso grande orgulho era Pablo Neruda e Gabriela Mistral."
bombardeio a La Moneda
"Por mais que as pessoas se esforcem para que os atos sejam perfeitos, sempre há uma falha. É como se um anjo da guarda se encarregasse lá em cima: "Ok, você está preparando o complô perfeito? Vou fazê-lo falhar por algum lado". Nesse caso é que alguém decide, alguém interfere nessa comunicação secreta por rádio e grava. É muito impressionante ouvir a voz de Pinochet comunicando-se com outros generais e almirantes. É onde se escuta o general Pinochet mandar pôr o presidente Allende com a família em um avião, e que o avião depois caia. É preciso jogar o avião. Não importa sacrificar o piloto e a tripulação. Não importa nada. Se é preciso matar o presidente e sua família em algo que pareça um acidente, faz-se isso. Essa é uma gravação que, desde que a pus no livro, é usada no mundo inteiro para recordar o dia do golpe militar. Na verdade não há direitos autorais sobre essa gravação. É uma gravação que pertence à humanidade como prova da barbárie, como prova da traição. Porque é preciso recordar que o general Pinochet chega ao poder nomeado pelo presidente Allende. Dez dias, quatorze dias antes do golpe, o presidente Allende deve nomear um novo comandante. Todas as informações de inteligência de seu governo indicam que o general Pinochet é um general confiável, legalista, constitucionalista. E o presidente Allende o nomeia. Entrega-lhe a arma mais poderosa em suas mãos. Para quê? Para que defenda a democracia das tentativas golpistas dos EUA e do fascismo local. Portanto quando Pinochet adere ao golpe de estado, só 36 horas antes, comete um gigantesco ato de traição em relação a quem havia confiado nele."
(Patrícia Verdugo no Roda Viva)
Últimas palavras de Allende
"Esta será seguramente la última oportunidad en que me pueda dirigir a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de radio Portales y radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura, sino decepción, y serán ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron. Soldados de Chile, comandantes en jefe titulares; el almirante Merino, que se ha autodesignado, más el señor Mendoza, general rastrero, que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, también se ha denominado director general de Carabineros...
Ante estos hechos, sólo me cabe decirles a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que entregáramos a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente.
Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Trabajadores de mi patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra de que respetaría la Constitución y la Ley, y así lo hizo. En este momento, definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen de la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unido a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les señalara el general Schneider y que reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas, esperando por mano ajena reconquistar el poder, para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la obrera que trabajó, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas, a los que desde hace días estuvieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clase para defender también las ventajas que una sociedad capitalista les da a unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron, que entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, aquellos que serán perseguidos. Porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente, en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando la línea férrea, destruyendo los oleoductos y los gasoductos, frente al silencio de los que tenían la obligación de custodiar los bienes del Estado... La historia los juzgará.
Seguramente radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz no llegará a ustedes. No importa; me seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos, mi recuerdo será el de un hombre digno, que fue leal a la lealtad del pueblo. El pueblo debe defenderse pero no sacrificarse; el pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede entregarse.
Trabajadores de mi patria: tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que mucho más temprano que tarde, de nuevo abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile!
¡Viva el pueblo!
¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras. Tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano; tengo la certeza de que, por lo menos, habrá una lección moral, que castigará la felonía, la cobardía y la traición."
terça-feira, 17 de agosto de 2010
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
O tempo por Jorge Luis Borges
El tratado Dudas y Soluciones sobre los Primeros Principios del neoplatónico Damascio registra una curiosa versión de la teogonía y cosmogonía de Orfeo, en la que Cronos —o Hércules— es un monstruo:
Según Gerónimo y Helánico (si los dos no son uno solo), la doctrina órfica enseña que en el principio hubo agua y lodo, con los que se amasó la tierra. Estos dos principios puso como primeros: agua y tierra. De ellos salió el tercero, un dragón alado, que por delante mostraba la cabeza de un toro, por detrás la de un león y por el medio el rostro de un dios; lo llamaron Cronos que no envejece y también Heracles. Con él nació la Necesidad, que también se llama la Inevitable, y que se dilató sobre el Universo y tocó sus confines... Cronos, el dragón, sacó de sí una triple simiente: el húmedo Éter, el ilimitado Caos y el nebuloso Erebo. Debajo de ellos puso un huevo, del que saldría el mundo. El último principio fue un dios que era hombre y mujer, con alas de oro en las espaldas y cabezas de toro en los flancos, y sobre la cabeza un desmesurado dragón, igual a toda suerte de fieras...
Tal vez porque lo desaforado y monstruoso parece menos propio de Grecia que del Oriente, Walter Kranz atribuye a estas invenciones una procedencia oriental.
Acidente, de Cao Guimarrães e Pablo Lobato
Pela construção de um dispositivo claro onde o gesto poético inalgura e impulsiona o fazer do filme – o jogo com os nomes das cidades mineiras compondo um poema. A narrativa totalmente aberta ao acaso e determinada pelo encontro, encontro com o que quer que seja, mesmo com o vazio.
A linguagem plástica, cuidadosa, buscando o não objetivo, a não totalidade dos espaços, mas sua construção sensorial, em certa medida, e irreal ou onirica, em outra.
Os catadores e eu, de Agnes Varda
A realizadora enquanto personagem que, ao construir-se, constrói o filme.
A construção narrativa, que não é estabelecida de antemão, mas que se constrói no fazer do filme, tendo somente como ponto de partida o gesto do catador e um quadro. Esse filme não trabalha com um dispositivo com regras tão claras quanto as de nosso jogo, porém se compoem de imagens-experiências atravessadas pelo acaso e pelo descontrole que são os guias que orientam os rumos e o desenrolar da história.
A viagem como necessidade para o encontro
A posição da realizadora que se coloca horizontalmente em relação aos demais personagens, possibilitando relações de igual para igual, democráticas
diario do caminho: voltas e revoltas do processo de refelxão pra ser fazer um filme. Escrito em 23/07/09
O filme DEVE partir de uma visão PESSOAL e PARCIAL
Pessoal, por que é da minha ferida, das minhas angustias que nasce a necessidade desse projeto. Então é necessário explicitarme, quem sou e por que sou. Quais são as minhas angustias (a impotência, a falta de utopia, o excesso de informação sem experiência, a revolta consentida)
O projto acompanha e deflagra o processo de auto-reflexão da autora marina, desde seu nascimento até a finalização do filme.
O filme projeto é portanto uma obra aberta, o registro de um processo, que ao plasmar-se em idéia e forma, transforma seu sujeito, que por sua vez transforma o projeto.
O PROJETO NASCE DE UMA ANGUSTIA, pessoal, fruto da minha história e da percepção negativa do “estado das coisas”. Tanto a angustia quanto meu olhar negativo e crítico, a carga de desilusão com a qual começo a me relacionar com o mundo é o resultado de uma dinâmica de interação entre a minha história pessoal e a história do tempo em que vivo (e que contém o tempo precedente)
ESSA DINÂMICA DE INTERAÇÃO É A ESPINHA DORSAL QUE ORIENTA O BLOCO 1 DO FILME E QUE É A LINHA NARRATIVA ESTRUTURAL DO FILME COMO UM TODO
Desse modo, o processo do filme é também um processo de auto (re( conhecimento e por isso auto reflexivo e mutante. A medida em que vou tomando consciência da maneira em que me coloco no mundo e o percebo (em que CRIO a realidade em que vivo), minha atitude, meus valores e opiniões se transformam. O filme é, ao mesmo tempo, o registro desse processo de mutação e também um catalizador ativo desse processo, pois através da necessidade de reflexão e criação se dá a confrontação entre o desejo e a desilusão, entre a criatividade e a impotência, entre o amor e o medo.
Quando coloquei as questõe iniciais desse projeto “quais foram as razões para o naufrágio de um movimento de transformação cultural e humano, de irmandade e libertação na América Latina” e “existem sobrevivêntes?”, me deparei com minha angustia, com minha visão pessimista, beirando o nihilismo, com o sentimento de impotência frente ao “processo inexoravel da história” e com uma profunda decepção a respeito do tema que me propunha conhecer. O tema em si, como colocado, já denota uma visao de mundo negativa, vencida pelo “pragmatismo factual da história objetiva”, desde uma perspectiva externa, descomprometida, como quem olha o mundo do lado de fora e o julga. Ou seja, vi pela primeira vez a prepotência do lugar em que me colocava na história. Prepotência gerada pela impotência e pelo medo.
Primeiro ponto de giro dentro de meu próprio eixo:
O que realmente me interessa, me move, me fascina é o que existiu e moveu pessoas, idéias, filmes nesse movimento. O sonho de transformação, o sentimento de potência, a busca das identidades e a persistência das lutas de resistência contra a opressão e o subdesenvolvimento, a escravização do espirito e do corpo. A doutrinação e a transformação de sujeitos em massa. A luta libertária das pulções e do ser humano como natureza, parte do organismo vivo do planeta Gaia. A explosão da diversidade, e criação de formas de beleza despadronizadas, da beleza convulsiva, transformadora.
Percebi então que só poderia tocar o tema que realmente me interessa se for capaz de genuinamente – e não só intelectualmente – me deixar tomar pelo sonho, ser parte desse processo, sujeito transformador. Não mais uma medica forense e um produto passivo daquilo que eu mesmo critico com dentes afiados.
Fim ao fim da história, fim ao fim da utopia!
“…Tomo gusto pela decadencia do tempo em que nasci”
Inicio o processo de transformação da NOSTALGIA AMARGURADA em ATIVISMO ESPERANÇOSO.
Esse é também o caminho do filme, sua unica possibilidade de ser uma obra honesta e não um manifesto retórico, pedante e demagógico
Emprender o self-empowerment daquilo que em mim é desejo, amor e esperança. Abrir sem vergonha castradora e crítica a FONTE DO DESEJO LIBERTÁRIO DAS PULÇÕES.
***
De que material plástica visual sera composta a obra?
De uma colagem caledoscópica (montagens multiplas, reultilização e resignificação das partes pelo todo, sampler) de materiais de diversas fonts.
Trabalhará com informações e materiais que criam links entre o universo pessoal da autora e o universo social e histórico da américa Latina da segunda metade do SEC XX e o inicio de século XXI. Tendo a liberdade de dar saltos e criar pontes com outros universos espaços temporais, pontualmente.
A colagem caledoscópica é uma forma de BRINCOLAGEM, termo conhecido na Antropologia Estruturalista e, creio, criado por Lewi-Strauss. Trata-se de encontrar células de sentido que se montam e se reorganizam, em relação a outras células minimas de sentido, e nessa dinâmica relacional, novos sentidos vão sendo criados, revistos, subvertidos, resignificados. O sampler e a mixagem são os termos correntes aplicados sobretudo a criação musical, mas que ajudam a entender a linguagem estética que guia a obra.
O SONHO é uma dessas células minimas de sentido que combinadas com outras como LATINO AMÉRICA, TERRA, IRMANDADE, vai criando sentidos específicos.
Assim vejo também a imagem do que sou: uma colagem em movimento de muitas vozes, fontes, informações, versoes e experiências.
***
Assumo uma perspectiva utópica e imparcial. Assumo a possibilidade panfletária da obra para com essa utopia, mas nego e quero permanecer vigilante quanto ao didatismo, que simplifica e define significados; ao dogmatismo, que impoem uma Verdade; a uma construção programática, onde os elementos passam a ser funcionais e não organicos; e principalmente a pobreza visual, que aniquila toda a possibilidade de poesia e abertura de sentidos.
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Video de Feña y papafritas
dieccion e idea original francisco papas. guion -francisco papas fernando de peña. edicion- fernanado de peña audio- francisco papas. animacion- victor bubu, locucion Leonardo Gonzalez
Nicanor Parra
Colagens do Rauschenberg: inspiração
Pequenas epifanias de Caio Fernando de Abreu (ou, para mim: notas sobre o encontro)
Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.
Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso - aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.
Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros IV
Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros III
Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros II
Imagens, desenhos, colagens que inseminam Nós Outros
sábado, 14 de agosto de 2010
O tempo por Raduam Nassar
Em Lavoura Arcaica
O tempo por Bergson
A memória não é uma faculdade de classificar recordações numa gaveta ou de inscrevê-las num registro. Não há registro, não há gaveta, não há aqui, propriamente falando, sequer uma faculdade, porque uma faculdade se exerce de forma intermitente, quando quer ou quando pode, ao passo que a acumulação do passado sobre o passado prossegue sem trégua. Na verdade, o passado se conserva por si mesmo, automaticamente. Inteiro, sem dúvida, ele nos segue a todo instante: o que sentimos, pensamos, quisemos desde nossa primeira infância está aí, debruçado sobre o presente com a que ele irá se juntar, forçando a porta da consciência que gostaria de deixá-lo fora. (...) Com efeito, que somos, que é nosso caráter, senão a condensação da história que vivemos desde nosso nascimento, antes dele até, já que trazemos conosco disposições pré-natais?"
"Ou o presente não deixa nenhum vestígio na memória, ou então ele se desdobra a cada instante, em seu próprio jorramento, em dois jatos simétricos, um dos quais cai para o passado ao passo que o outro se lança para o porvir."
"Os fatos da consciência, ainda que sucessivos, penetram-se, e no mais simples deles pode refletir-se a alma inteira."
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Beira do mar...
"Beira do mar
Lugar comum
Começo do caminhar
Pra beira de outro lugar
Beira do mar
Todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul
A água bateu
O vento soprou
O fogo do sol
O sal do Senhor
Tudo isso vem
Tudo isso vai
Pro mesmo lugar
De onde tudo sai"
Força Estranha com Gal, Caetano e o Rei
"Eu vi um menino correndo
Eu vi o tempo
Brincando ao redor
Do caminho daquele menino
Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei
O sol ainda brilha na estrada
E eu nunca passei
Eu vi a mulher preparando
Outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar
Para aquela barriga
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou
O sol que atravessa essa estrada
Que nunca passou
Por isso uma força
Me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto
Não posso parar
Por isso essa voz tamanha
Eu vi muitos cabelos brancos
Na fonte do artista
O tempo não pára e no entanto
Ele nunca envelhece
Aquele que conhece o jogo
Do fogo das coisas que são
É o sol, é o tempo, é a estrada
É o pé e é o chão
Eu vi muitos homens brigando
Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada
Vontade encoberta
E a coisa mais certa
De todas as coisas
Não vale um caminho sob o sol
E o sol sobre a estrada
É o sol sobre a estrada
É o sol
Me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto
Não posso parar
Por isso essa voz, essa voz
Tamanha"
Grandes são os Desertos e Tudo é Deserto, Fernando Pessoa
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das
camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.